Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 774/2019, de 17 de Dezembro de 2019
2020/02/07 | Por Aguiar-Branco & Associados
Foi publicado a 27 de Janeiro, último, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 774/2019, de 17 de dezembro de 2019, que “Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho, celebrado há menos de um ano, de titular que seja designado administrador da sociedade empregadora, por violação do disposto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição, na redação vigente à data em que a norma foi editada (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro); limita os efeitos da inconstitucionalidade, de modo a que se produzam apenas a partir da publicação do presente Acórdão.”
O Acórdão em apreço foi proferido no processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade da referida norma do Código das Sociedades Comerciais, na sequência da declaração da inconstitucionalidade da mesma em três caso concretos.
A citada disposição legal prevê as consequências da designação como administrador da sociedade de pessoa que exerça, até esse momento, funções laborais na mesma sociedade anónima ou em outra que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, estabelecendo a suspensão ou extinção do contrato de trabalho, consoante este tenha sido celebrado há mais ou menos de um ano.
Esta norma tem subjacente a opção legislativa da consagração de um princípio de incompatibilidade entre as funções de administrador e trabalhador, justificada, em síntese, com os seguintes fundamentos: (i) impossibilidade estrutural de acumulação das funções (trabalhador / administrador); (ii) proteção da independência dos administradores; e (iii) preservação do modelo legal de governação das sociedades anónimas.
Por sua vez, o tratamento distinto dos contratos de trabalho celebrados há menos de um ano (extinção, ao invés de suspensão) tinha como desiderato a dissuasão de condutas fraudulentas.
Posto isto, nos Acórdãos proferidos em sede de fiscalização concreta, o juízo de inconstitucionalidade fundou-se na consideração de que a norma em apreço, deve ser qualificada como legislação do trabalho, o que determina a audição das organizações representativas dos trabalhadores, nos termos do preceituado nos arts.55º, al. d) e 57º, n.º2, al. a), da Constituição da República Portuguesa, o que não aconteceu aquando da aprovação do Código das Sociedade Comerciais.
Ora, não constando do preâmbulo do Dec. Lei n.º268/86, de 2 de dezembro, que aprovou o Código das Sociedades Comercias, a referência à audiência prévia das organizações representativas dos trabalhadores (o que faz presumir que a mesma não ocorreu) e, por outro lado, não tendo o autor da norma (Governo) ilidido aquela presunção neste processo de fiscalização abstrata e sucessiva, o Tribunal Constitucional considerou ter sido preterida aquela obrigação constitucional, pelo que a aludida norma padece de vício de natureza formal, sem, todavia, invalidar todo o ato normativo, ou seja, as restantes normas do Código das Sociedade Comercias.
Por outro lado, em ordem a evitar uma situação de insegurança jurídica, resultante da declaração da inconstitucionalidade com eficácia retroativa (desde a entrada em vigor da norma julgada inconstitucional), o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art.282º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa limitou os efeitos da declaração inconstitucionalidade, de modo a que se produzam apenas a partir da publicação do Acórdão.
Tal significa que ficam ressalvados os efeitos produzidos pela aplicação desta norma, até à data da publicação do Acórdão.
Por último, face à declaração de inconstitucionalidade deste segmento do n.º2, do art.398º do Código das Sociedades Comerciais, o regime a aplicar à designação como administrador da sociedade de pessoa que exerça, até esse momento, funções laborais na mesma sociedade anónima ou em outra que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, há mais ou menos de um ano, será o da suspensão do contrato de trabalho.
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